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sábado, 5 de maio de 2012

O PEDIDO


Eu brincava, no PC, literalmente. Entretinha-me com um qualquer jogo de cartas quando a campainha tocou. Facto inédito! A campainha da porta enferma de um mau contacto que a impede de funcionar nas devidas condições por isso, quem se quer fazer ouvir, normalmente bate à porta com os nós dos dedos. Pois a campainha tinha acabado de dar um ar da sua graça.

Levantei-me e fui espreitar. O meu amigo VL, que reside a duas escassas centenas de metros, aguardava.

Abri a porta e ele, com um largo sorriso começou por me avisar “tenho muita pressa, mas não quis deixar de passar por aqui. Não me esqueci do seu pedido”. A minha cabeça rodopiou - pedido? - e eu comecei a espremer os neurónios enquanto ia fazendo os cumprimentos, como ia a saúde, a família… - pedido? mas que pedido? - E eu tentava retroceder a uma velocidade supersónica para lembrar-me a que pedido o meu amigo se referiria - eu fizera um pedido? Eu, prima direita da supermulher, com a mania da autossuficiência, fizera um pedido que o meu amigo vinha satisfazer? – “Entre, sente-se um bocadinho. Não vai ficar à porta” “não me diga que já não se lembra do que me pediu?! Não vim antes porque não estava em condições de satisfazer o seu desejo” – Santa Bárbara! Socorro! O que terei pedido? Ah! Já me falha a memória! Que tristeza! - E enquanto tentava ser agradável com o meu amigo VL, com quem até faço alguma cerimónia, debatia-me ferozmente comigo própria.

O VL entrou, sentou-se e sempre com o mesmo riso divertido tirou do bolso o meu presente: um pequeno saco de plástico da farmácia com alguma coisa dentro. “Se é da farmácia só pode ser remédio e sendo remédio far-me-á bem à saúde” disse eu em desespero de causa, fula por não conseguir lembrar-me do hipotético pedido e tentando disfarçar o mais possível a falha que estava a cometer com o meu amigo, por não me lembrar do episódio que este referia.

Então o VL, homem dado a eloquências infindáveis, ensaiou um discurso pomposo cuja conclusão, para não estar com mais delongas se pode resumir na simples frase: cada um dá o que tem e a mais não é obrigado, princípio a que ele naquele momento dava cumprimento, pela grande amizade e consideração que me tinha e, finalmente, tira do saco da farmácia a panaceia de todos os meus males: um barquinho de plástico verde e amarelo, um speedboat, com uma argola atrás, presa a um fio que o faz mover velozmente, com o qual eu, no próximo banho de imersão, chegarei num instantinho às Sheychelles.


Já tenho iate próprio, só falta a tartaruga para me passear na praia…

1 comentário:

  1. Satisfazendo curiosidades...

    Obviamente, não pedi fosse o que fosse ao meu amigo VL. Não sou de pedir, nem sequer cebola emprestada à vizinha, para fazer o refogado.

    Acontece que muitas das minhas amigas, sobretudo elas e alguns dos meus amigos, costumam enviar-me fotos de hoteis fabulosos, magníficos barcos de recreio, fabulosas estâncias de férias, casas faustosas e até de moderníssimos aviões militares... Eu abro os emails, admiro toda aquela panóplia e vulgarmente respondo com algum comentário do género: "Agradeço o convite, mas não gosto da vista do quarto" "Acho que a minha coluna se ressentiria naquele colchão" "esqueceste -te de anexar o bilhete de avião" e outras tolices do género.

    O meu amigo VL enviou-me alguns iates e eu, pessoa exigente, não gostei de nenhum. Daí o esforço que ele fez para encontrar um a meu contento...

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