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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A CHÁVENA DE CAFÉ


A tarde estava amena. Uma linda tarde de outono, sem Sol a brilhar, mas clara, em que a tonalidade da luz dava um certo romantismo ao casario que emoldura a praça. Sentei-me na esplanada de “A Aldeia dos Sabores” o mobiliário é mais confortável, que em “O Chico Lobo” e nada obstrui a visão.

O senhor Marques trouxe o descafeinado e bebido este fiquei mergulhada na chávena, com os olhos de fora, a saborear a quietude do dia. A senhora sentada que chamou o marido “Ei! Onde vais?” ; a outra que se sentou e, enganando a dieta, pediu, um croissant partido ao meio para não comer muito de uma vez; as pombas, que me irritam pela proximidade, mas que gosto de ver esvoaçar; a advogada que se aproximou das amigas e que, de pé, contou a experiência desastrosa da marmelada que tentara fazer pela primeira vez. “Vale-me a minha irmã, que faz na Bimby e me abastece”; os caminhantes que atravessavam despudoramente a praça, os que timidamente seguiam pelo passeio…

Ele chegou sem que o visse. “Não quis deixar de a cumprimentar”. Era o amigo de uma amiga. “Porque não se senta?” Convidei, considerando que era o mínimo que poderia fazer por quem depois de me cumprimentar, continuava de pé junto de mim. Ele sentou-se.

Nem sei como, a conversa tomou logo o rumo da política, por conta da afirmação recente do ministro. “Desculpe interromper, mercê da militância, gozo do privilégio de falar de política nos sítios próprios, não vamos deteriorar este encontro informal, com o estado caótico do País.”

O senhor insistia que era “formiga”, desenhou um ângulo de fraca amplitude na conversação e ei lo a falar de dinheiro, do seu dinheiro, da sua poupança, do seu discernimento nos investimentos, da inteligência com que fechava negócios e, por aí fora, num mar de fartura de ondas altas. Eu estava saturada com o despropósito da conversa e ainda arrisquei desinteressada “que bom para si…” O senhor não entendeu e continuou desfiando o inventário.

Quando qualquer das filhas me massacra costumo perguntar “e se fosse chatear a mãezinha?!” Era mesmo a pergunta que me apetecia porque aquele não responderia o que qualquer delas me responde “é precisamente o que estou a fazer…” , mas sorri, num esforço derradeiro… “esse tilintar de euros ensurdeceu-me. A conversa terá de ficar por aqui. Conversaremos mais noutra ocasião.” E fui embora, o mais depressa que pude.

Porque falarão os homens de dinheiro, quando não se vislumbra nada que possam comprar?


E na manhã seguinte, num mergulho rápido na mesma chávena de café, a minha amiga E. …
Um abraço apertado e ela tão animada. Quis saber como estava. Não sabia, tinha acabado a última série de tratamentos, mas sentia-se bem. De facto parecia feliz. Estava feliz.

“Foi no meu neto, Isabel. Foi nele que encontrei força para não sucumbir. Então eu sempre quis ser avó e era agora que tinha um neto que ia desistir e deixar-me morrer?” “Continuas linda”- exclamei. “Só tu!” Mas eu não mentia. A E. possui uma beleza serena que sobrevive à doença. E que força, que verticalidade perante a desdita, que vontade de afastar o infortúnio. “Só não suportava a dúvida. Tiveram de explicar-me bem tudo o que tinha”

E no fim, para meu espanto “se alguma vez precisares de apoio, numa situação semelhante, não hesites em pedir o meu auxílio. Eu já sei como agir” Comoveu-me a generosidade, o sentido do outro, a disponibilidade para amar mas, mais que tudo fiquei esmagada pelo vigor, pela sua certeza de vencer.

Que vergonha tive das minhas fragilidades...

Como dois mergulhos, numa mesma chávena de café podem ser tão diferentes!


2 comentários:

  1. Gabarolas há-os para aí quanto baste. Talvez até demais.

    Como é salutar a convivência com pessoas que fazem das peripécias da vida, doença inclusive, um tranpolim para saltarem para o outro lado, o da alegria de vencer obstáculos!

    Não queria ir-me embora sem a cumprimentar e deixá-la mergulhada na mesma chávena de café... assim sempre pode olhar, ler este «olá» e reparar que anda por aqui um António, que gosta sinceramente destes seus registos.

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    1. O António é de uma grande gentileza e de uma enorme boa vontade para com os meus modestos textos.
      Gosto de saber que me leem e o António tem a simpatia de me fazer saber que passa por aqui.
      Agradeço reconhecidamente as suas palavras. São um estímulo para mim.

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