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sábado, 17 de novembro de 2012

MEMÓRIA


Há dias, quando referia o facto de já me esquecer de coisas impensáveis, uma colega, com quem trabalhei alguns anos, comentou: “então, agora é mais feliz”. Eu anui sorrindo mas, quem participava na conversa, não mostrou entender e a minha amiga tentando explicar-se aos outros, interpelou-me: “não costumava dizer que a memória não a fazia feliz?” “ Pois, mesmo com tanto esquecimento, a memória ainda não é suficientemente seletiva” brinquei.  

Detesto a memória. Não me refiro à capacidade de aquisição que me permitiu decorar em duas horas o livro de trigonometria; em três, o conteúdo do manual de Didática da História; em quinze dias toda a matéria, de que não percebia nada, da disciplina da Contabilidade de um semestre, nos meus tempos de Liceu, Magistério e, mais recentemente, de ESTG; nem sequer refiro a capacidade de armazenar os conhecimentos (consolidação), ou a falta dela; refiro isso sim, a capacidade de evocação.

Nada tenho contra o somatório de vivências que fizeram de mim quem sou, nem contra a forma como o meu cérebro o processou; contudo, nutro uma raiva surda contra a forma como é, por vezes, recuperado. Parecendo contidas sob pressão, as instâncias episódicas explodem no plano consciente, sem que consiga conter a corrente e deixam-me sempre fragilizada.

Hoje aconteceu. Os deuses estavam contra mim.

4 comentários:

  1. Às vezes acontece... e é mauzito. Mas eu adoro a memória, mesmo sempre considerada, por alguns, o grau mais baixo da inteligência.

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    1. Minha querida,
      O teu comentário é tão redutor como o meu texto. Eu ponho a tónica na evocação, tu na aquisição. a memória é muito mais que isso. De futuro temos de ser mais abrangentes para não pecarmos por defeito.
      Prometo que, de futuro, quando me lembrar de coisas que me magoam, não escrevo textos.
      Obrigada pelo comentário. É sempre bom sentirmos que alguém nos ouve, para além de nós próprias.
      Beijinhos.

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  2. É muito bom, sem dúvida, sabermos que temos alguém que nos "ouve", mesmo que não diga nada.
    Basta um sinal para não nos sentirmos sós, talvez a levarmos o nosso pensamento demasiado para além do terreno e ilhas adjacentes...
    Não vejo razão nenhuma para que não nos permitamos projetar os nossos pensamentos para a palavra escrita!...

    Beijinhos às duas queridas amigas - permitam-me que assim me manifeste - de suas graças, Isabel e Graça.

    Como o tempo está calmo!...
    Quem dera fosse o espelho do futuro!

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    1. Olá, António.
      De facto, basta um sinal. Basta um gesto, basta uma palavra. E a comunicação acontece e não estamos sós. Para quem, como eu, passa tantas horas consigo própria, essas coisas que parecem mínimas, são muito importantes, sobretudo quando se escrevem textos herméticos, em que não revelamos onde, como e porque nos dói.
      O seu comentário assíduo, neste espaço, é exemplo dessa gratificante atenção ao próximo, a que normalmente chamamos amizade.
      Bem haja!

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